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Lifelogging: registrar a sua vida em fotos pode ser bastante útil

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Helen Thomson, jornalista da NewScientist, topou o desafio de passar uma semana com uma câmera pendurada no pescoço, fotografando tudo e a todos o dia ininterruptamente. A câmera é uma SenseCam, da Microsoft, e o experimento foi realizado para que ela sentisse na pele o que é e quais os impactos que o lifelogging causa na vida de uma pessoa.

SenseCam, do Microsoft Research.

SenseCam.

Lifelogging é o que o nome tenta dizer: um “relatório” ou registro da vida, no caso através de fotografias. É como se fosse um diário completo que não deixa escapar nada e faz os registros automaticamente, sem a intervenção do usuário. Alguns podem se perguntar por que alguém quereria isso em sua vida, mas há motivos interessantes e benéficos à saúde que justificam a estranha sensação de capturar em fotos tudo o que acontece.

Diversos pesquisadores estudam os benefícios gerados em revisitar situações passadas. Poderia ser com texto, como o bom e velho diário, mas as imagens têm mais força — como diz o velho ditado, valem mais que mil palavras. Além disso, por ser um registro externo, e não baseado nas nossas concepções, elas revelam detalhes que passam batidos ou somem da nossa memória. E por mais que a sua mente seja muito saudável, acredite: você se lembra de pouca coisa com perfeição (se puder e tiver interesse, dê uma lida no segundo capítulo do livro “You are not so Smart”, de David McRaney). A gravação das memórias no cérebro é feita em duas etapas: primeiro elas são registradas na rede hipocampal, onde as cenas são repetidas várias vezes, conscientemente ou não, sendo que algumas, repetidas o suficiente, acabam transferidas para o neocórtex. É como se a rede hipocampal fosse a RAM e o neocórtex, o HD, mas para que se transfira o que está na RAM para o HD é preciso várias tentativas.

Em pacientes com doenças degenerativas da memória como Mal de Alzheimer e Amnésia, o lifelogging atua diretamente na capacidade de lembrança e no combate à insegurança, depressão e ansiedade. Nessas pessoas a rede hipocampal perde a capacidade de repetir eventos do cotidiano e, nessa, memórias recentes se perdem com facilidade, não são gravadas. Elas simplesmente se esquecem do que fizeram mais cedo. O registro do cotidiano em fotos faz as vezes da rede, serve de gatilho para a recordação e impacta positivamente na qualidade de vida deles — há casos em que as lembranças em pacientes de Alzheimer, antes na casa dos 20%, subiram para 40% depois do lifelogging. Além de fortalecer a memória, sintomas como ansiedade e depressão, derivados da incapacidade de relembrar momentos recentes, também são amenizados com a técnica.

Mesmo em pessoas saudáveis o lifelogging pode ser útil. Ele é, como dito acima, uma “segunda visão” sobre eventos do dia-a-dia, uma forma de detectar erros, comportamentos ruins e padrões cíclicos que levam à tristeza, depressão e outras mazelas modernas. As imagens ainda ajudam a encontrar pequenas falhas das nossas vidas simples de serem corrigidas e que, quando o são, causam uma súbita melhora no bem estar. Um casal voluntário da SenseCam só reparou que passava mais tempo dentro do carro do que brincando com os filhos depois de analisar as fotos. Resultado? A família se mudou para uma casa mais próxima da escola das crianças e o upgrade em qualidade de vida foi sentido imediatamente.

Outra situação comum na forma escrita e que pode se beneficiar do lifelogging são os diários de dietas, cadernos onde a pessoa descreve as refeições que faz para, de posse desses dados, melhorar os hábitos de alimentação. Aqui o problema ocorre na coleta de dados — pesquisas indicam que, em média, diários de dietas escritos têm apenas 50% de precisão. Como as fotos no lifelogging são tiradas automaticamente, o problema some e as medidas para ajustar a dieta tornam-se mais eficazes.

Apesar dos benefícios, o lifelogging implica em alguns novos problemas, principalmente relacionados à privacidade e segurança. Durante seu experimento, Helen contou que não se sentiu à vontade estando com uma câmera que não para de tirar fotos no pescoço em locais públicos, como um pub ou o metrô. Outras pessoas, amigas ou desconhecidas, podem não se sentir à vontade em serem fotografadas o tempo todo. E ainda há lugares e situações onde tirar fotos é proibido ou não recomendável — salas de cinema, locais com segurança reforçada. Ainda que o lifelogging traga uma série de benefícios, ele carrega na bagagem novos dilemas éticos, novos problemas complexos a serem discutidos.

O mundo gira em torno de dados, informação bruta que, processada, dá respostas e permite visualizar coisas espantosas, da economia de um país até a qual o seu desempenho físico nos esportes — coisa que apps de celular como RunKeeper e Endomondo fazem. O celular, aliás, é visto por alguns pesquisadores da área como um possível ajudante na ascensão do lifelogging por estar sempre conosco e ter um bom poder de processamento. Os dois apps citados e outros do tipo que registram padrões para análise posterior, como o sensacional The Eatery, podem ser encarados como pioneiros nesse novo universo.

Quem se preocupa muito com privacidade tem suas ressalvas. Além de promover um Big Brother de nós mesmos, há ainda o fato de que essas informações estejam na posse de empresas, afinal os algoritmos e sistemas que permitem toda essa complexidade de análises “mastigadas” não está ao alcance de qualquer um. Você se sentiria confortável compartilhando tanto sobre si mesmo com uma empresa?

Lifelogging é um conceito antigo, mas parece que só agora começa a ganhar popularidade e sair dos círculos acadêmicos. Se estendermos a ideia para os velhos diários, torna-se algo realmente antigo. Há muita coisa a ser feita nessa área, mas os primeiros resultados são bem entusiasmantes e, de quebra, servem de convite para pô-lo a pensar. Você se lembra do que comeu ontem no almoço? Tem certeza de que não está menos contente devido a ações repetitivas, a um círculo vicioso? Em um futuro próximo, uma câmera pendurada no seu pescoço poderá lhe dar essas e outras respostas tão importantes quanto.


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